segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Considerações gerais sobre o Sisbiota-Diptera e estruturação da rede


O projeto Diptera dos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia: Diversidade, Sistemática e Limites Distribucionais (Sisbiota) está dividido em três componentes: 1) Diversidade e Taxonomia; 2) Sistemática Filogenética e 3) Biogeografia.

Respeitando-se as diferenças quanto ao estado do conhecimento taxonômico dos diferentes famílias de Diptera, podemos reconhecer e categorizar três níveis:

(A) táxons pouco estudados/conhecidos e com potencial de estudo restrito à taxonomia alfa;
(B) táxons com razoável a bom conhecimento taxonômico e com potencial de estudo em análises filogenéticas; e
(C) táxons com bom conhecimento taxonômico e filogenético e com potencial de estudo em análises biogeográficas.

Componente 1. Diversidade e Taxonomia

Sob este componente, o objetivo é realizar um levantamento faunístico dos insetos dípteros dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, especificamente dos biomas Cerrado, Pantanal e Floresta Amazônica. O material coletado sob o âmbito deste projeto será complementar ao material previamente depositado nas coleções entomológicas nacionais e estrangeiras. Sendo assim, os estudos de diversidade e taxonomia vem sendo feitos com base em material já disponível e material novo a ser coletado.

Os trabalhos derivados deste componente são:

(i) Levantamentos da fauna de Diptera para cada um dos biomas (Cerrado, Pantanal e Floresta Amazônica) dentro da abrangência geográfica da área de estudo;
(ii) Análises comparativas de composição e diversidade de Diptera entre as localidades estudadas;
(iii) Revisões taxonômicas de táxons supra-específicos (grupos de espécies, subgêneros, gêneros, tribos, subfamílias, etc.) das famílias de Diptera abordadas neste projeto, incluindo redescrições de táxons pouco conhecidos e descrições de novos táxons;
(iv) Check-lists e catálogos locais;
(v) Chaves de identificação de espécies e gêneros;
(vi) Guias ilustrados de dípteros da área de estudo.

Componente 2. Sistemática Filogenética

Para os táxons de Diptera razoavelmente bem estudados taxonomicamente, é possível empregar métodos de análise cladística. Assim, os estudos morfológicos detalhados a serem realizados no componente 1 são imprescindíveis para a concretização deste segundo componente. Mas, além disso, também os táxons que já tenham sido alvo de revisão taxonômica em estudos anteriores vem sendo estudados aqui sob o ponto de vista filogenético. São alvo das análises cladísticas os táxons supra-específicos que incluam espécies ocorrentes na região de estudo.

Nesse componente, os trabalhos são do tipo:

(i) Morfologia comparada de espécies em busca de caracteres filogenéticos;
(ii) Reconstrução das relações filogenéticas para táxons supra-específicos (e.g., grupos de espécies, subgêneros, gêneros, tribos, subfamílias, etc.);
(iii) Testes de hipóteses de monofilia para táxons supra-específicos.

Componente 3. Biogeografia

Após compilação e síntese do conhecimento distribucional dos grupos de Diptera estudados sob este projeto será possível reconhecer padrões gerais de distribuição e diversidade na região de estudo, bem como empregar métodos analíticos da Biogeografia Histórica para o reconhecimento de padrões de relacionamento entre áreas (cladograma de áreas). São alvo das análises biogeográficas os táxons supra-específicos que incluam espécies ocorrentes na região de estudo.

Aqui, os trabalhos são de:

(i) Compilação de dados distribucionais e mapeamento de áreas de distribuição;
(ii) Reconhecimento de padrões de distribuição e riqueza;
(iii) Reconhecimento e delimitação de áreas de endemismo;
(iv) Reconstrução de relações históricas entre áreas (Biogeografia histórica);
(v) Reconciliação entre a história dos táxons e a história geológica da área; e
(vi) Reconhecimento de prováveis eventos geológicos e climáticos na área relacionados à história dos táxons.

Plano de gestão e integração da rede

Coordenador-geral: Dr. Carlos José Einicker Lamas (MZUSP, São Paulo-SP).
Subcoordenador-geral: Dr. Silvio Shigueo Nihei (IBUSP, São Paulo-SP).

Componente 1 – Diversidade e Taxonomia
Coordenadores-adjuntos: Dr. Gustavo Graciolli (UFMS) e Dra. Márcia Souto Couri (MN/UFRJ)

Componente 2 – Sistemática
Coordenador-adjunto: Dr. Dalton de Souza Amorim (FFCLRP- Ribeirão Preto-SP)

Componente 3 – Biogeografia
Coordenadores-adjuntos: Dr. Claudio José Barros de Carvalho (UFPR) e Dr. Charles Morphy D. Santos (UFABC)

O proponente (Dr. Carlos José Einicker Lamas) é o coordenador-geral de todo o projeto, responsável pela gestão executiva e financeira e também pela integração de ações de cada um dos componentes. O projeto tem um subcoordenador-geral (Dr. Silvio Shigueo Nihei, IBUSP) que auxilia na gestão das atividades operacionais dos componentes 1, 2 e 3 e na integração de ações dos três componentes.

Além destes, o projeto conta com a atuação de coordenadores-adjuntos responsáveis diretamente por cada um dos componentes temáticos da rede. Estes atuam na gestão operacional de seu respectivo componente, interagindo e integrando assim com o grupo de pesquisadores da rede.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Sobre a rede temática Sisbiota-Diptera

A ordem Diptera é um dos maiores grupos de seres vivos conhecidos, e considerada uma das ordens megadiversas de Insecta (que ainda incluem Hymenoptera, Lepidoptera e Coleoptera). São atualmente conhecidas cerca de 150 mil espécies de dípteros, porém estima-se que existam mais de um milhão de espécies viventes. Os dípteros estão classificados em 188 famílias e cerca de 10.000 gêneros no mundo. Na região Neotropical, são 116 famílias, representadas por 3.433 gêneros e 24.075 espécies. Podem ser encontrados em todos os ecossistemas exceto o marinho. Possuem uma incrível diversidade ecológica, com as formas adultas e larvais apresentando as mais variadas dietas, com hábitos nectarívoros, polenófagos, hematófagos, coprófagos, saprófagos, parasitóides, ectoparasitas, galhadores, minadores, xilófagos, etc.

Além de constituírem um grupo com história evolutiva riquíssima, os dípteros têm grande importância econômica, principalmente pela transmissão de doenças ao homem e aos animais domésticos (e.g. espécies das famílias Simuliidae, Culicidae, Psychodidae, Calliphoridae, Oestridae e Muscidae) e pelos sérios danos causados às plantas (Cecidomyiidae, Tephritidae e Agromyzidae). Por outro lado, os dípteros, além do óbvio papel desempenhado na manutenção do equilíbrio do ecossistema, oferecem diversos benefícios ao homem em razão de características biológicas peculiares. São comprovadamente um dos principais agentes polinizadores de flores (Syrphidae, Bombyliidae, Muscidae, Tachinidae, etc.); por seus imaturos estarem associados à decomposição de matéria orgânica animal e vegetal são importantes ferramentas de estudo para as ciências forenses (Calliphoridae, Muscidae, Phoridae, Piophilidae, Sarcophagidae, Stratiomyidae); larvas predadoras ou parasitóides são empregadas no controle biológico de pragas agrícolas (Tachinidae, Syrphidae e Bombyliidae); entre outros diversos benefícios.

No entanto, ainda são incipientes no Brasil estudos sobre taxonomia, sistemática e biogeografia desta ordem de insetos. Apesar de investimentos significativos para a compreensão da fauna de Diptera da região Neotropical ao longo do século XX, é bastante provável que somente uma pequena parcela de sua diversidade seja conhecida.

Tal quadro de incipiência no conhecimento de Diptera dos biomas brasileiros é resultado direto da falta de recursos humanos qualificados. Um estudo dos professores Antônio Carlos Marques (do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo) e Carlos Lamas (do Museu de Zoologia da USP) sobre o estado da arte da taxonomia brasileira, publicado em 2006, revelou que, há menos de oito anos, existiam apenas 28 pesquisadores atuantes em taxonomia de Diptera no Brasil. Dentre todos os grupos animais, é o terceiro em quantidade de especialistas ativos no país, embora este número esteja bastante inferior à demanda requerida considerando-se a enorme diversidade do grupo estimada para o país. Ainda não há estimativas para o número de espécies descritas para o Brasil, mas para a região Neotropical foram contabilizadas mais de 24 mil espécies. Frente a esta diversidade, o número de pesquisadores ativos no país para a ordem Diptera é muito reduzido. No Centro-Oeste o quadro é ainda mais pessimista que em relação ao restante do país pois esta é a região com o menor número de autores em taxonomia de Diptera.

Somado a isso, existem ainda extensas áreas sem qualquer inventário faunístico no Brasil, tornando o quadro de conhecimento de nossa fauna ainda mais alarmante e preocupante e, assim, a necessidade de formação de recursos humanos qualificados na área de taxonomia vem tomando dimensões cada vez maiores.

Na última década, as políticas federais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação em ciências básicas concederam um aporte financeiro considerável e bastante estimulante ao desenvolvimento e fortalecimento dos grupos de pesquisa e dos programas de pós-graduação. Mesmo assim, apesar dos seguidos esforços, ainda existem várias lacunas no conhecimento da diversidade de Diptera em vários biomas brasileiros. Podemos afirmar que, comparativamente, o único bioma razoavelmente melhor conhecido para a área de diversidade e sistemática de Diptera é a Mata Atlântica no eixo Rio-São Paulo. Por outro lado, o conhecimento disponível até o momento para o restante da Mata Atlântica e para todos os demais biomas está bastante aquém do desejado e do necessário.

Entre os anos de 1985 e 1999, foram publicados 83 inventários de Diptera no Brasil. Destes, apenas três tiveram como alvo localidades na região Centro-Oeste. Analisando comparativamente com inventários publicados em outras regiões podemos ver o quanto este número é reduzido, a saber: região Sudeste: 34 inventários; região Norte: 21 inventários; região Sul: 10 inventários e região Nordeste: sete inventários. O Centro-Oeste é, portanto, a menos estudada região de nosso país com relação à diversidade de Diptera. Existe uma enorme lacuna no conhecimento de Diptera dos estados do MT, MS e RO. A incipiência do conhecimento de Diptera nesses Estados é tão grande que sequer é possível consolidar os dados totais disponíveis para se prever lacunas dno conhecimento sobre essa região do Brasil. Simplesmente inexiste conhecimento sobre a diversidade, taxonomia e distribuição de moscas e mosquitos em praticamente toda essa região! 

Assim, como meta principal, o projeto "Diptera dos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia: diversidade, sistemática e limites distribucionais", inserido no edital SISBIOTA-CNPq, tem como preocupação conhecer a diversidade e distribuição de Diptera dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, abrangendo assim ambientes característicos dos biomas Pantanal, Cerrado e Amazônia. Desde o início das suas atividades, no primeiro semestre de 2011, o projeto enfocou estudos nas áreas de taxonomia, sistemática e biogeografia de Diptera.

O projeto supracitado possui como objetivos:

1) Conhecer a diversidade e distribuição de Diptera dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, visando os biomas Cerrado, Pantanal e Amazônia incluídos nestes estados.

2) Realizar levantamentos da fauna de Diptera a partir de coletas periódicas em localidades pré-definidas dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, visando os biomas Cerrado, Pantanal e Amazônia;

3) Revisar táxons supra-específicos de famílias de Diptera, incluindo redescrições de táxons pouco conhecidos e descrições de possíveis novos táxons;

4) Fornecer chaves de identificação para as espécies e gêneros das famílias de Diptera da região de estudo;

5) Elaborar check-lists e catálogos de espécies de Diptera da região de estudo;

6) Elaborar mapas de distribuição de gêneros e espécies;

7) Reconhecer limites distribucionais (padrões de distribuição) de gêneros e espécies na região de estudo;

8) Reconhecer e delimitar áreas de endemismo na região de estudo;

9) Reconstruir padrões de relacionamento entre áreas (biogeografia histórica) e reconhecer prováveis eventos geológicos e climáticos relacionados à história dos táxons.

Muitos dos objetivos listados aqui têm sido alcançados com sucesso. Esse blog será um espaço para apresentação destes resultados, bem como para o fomento de discussões, anúncios de eventos, novas ideias e propostas relacionadas à diversidade, sistemática e biogeografia de Diptera, e suas aplicações nas mais variadas áreas, de epidemiologia ao ensino de ciências e evolução.